A última noite (2002)
Ao notar que a palvra “Foda – se”. está escrita no espelho, Monty inicia um doloroso desabafo:
“Foda-se você, essa cidade, e todo o mundo.
Fodam-se os mendigos, fazendo caretas pelas minhas costas.
Fodam-se os limpadores de pára-brisas, melando o meu vidro. Vão trabalhar!
Fodam-se os siques e paquistaneses, naqueles táxis decréptos, cheirando a curry por todos os poros, estragando o meu dia. Terroristas em treinamento. Dêem um tempo.
Fodam-se os gays com seus peitos depilados e bíceps exagerados, chupando uns aos outros nos meus parques, balançando seus pintos no canal 35.
Fodam-se os coreanos com suas frutas caríssimas e suas tulipas e rosas embrulhadas em plástico. Dez anos no país e ainda ‘não falar inglês’.
Fodam-se os russos de Brighton Beach, mafiosos safados, bebericando chá em copos de vidro com cubos de açúcar entre os dentes… Maquinando seus crimes. Voltem para a sua terra.
Fodam-se os hassídicos de chapéu preto, subindo e descendo a Rua 47 em suas capas cheias de caspa, vendendo diamantes do apartheid Sul-Africano.
Fodam-se os corretores de Wall Street. Autopromovidos mestres do universo. Filhos da mãe presunçosos, maquinando novas maneiras de roubar trabalhadores honestos. Que prendam os safados da Enron para o resto da vida. Acham que Busch e Cheney não sabiam? Dá um tempo. Tyco. ImClone. Adelphia. WorldCom.
Fodam-se os porto-riquenhos, 20 por carro, abusando do serviço social. Suas demonstrações são as piores. E nem vou falar dos dominicanos, fazem os Porto-riquenhos parecerem ótimos.
Fodam-se os italianos de brilhantina no cabelo, seus ternos de náilon, suas medalhas de Santo Antônio, brandindo seus bastões Jason Giambi Louisville Slugger, tentando aparecer na Família Soprano.
Fodam-se as madames do Upper East Side e suas alcachofras de 50 dólares, com suas caras repuxadas,infiltradas e esticadas até ficarem brilhantes. Não enganam ninguém, queridas!
Fodam-se os negros dos bairros, eles nunca passam a bola , eles não jogam na defesa, dão cinco passos para cada armação, e depois querem culpar os brancos por tudo. A escravidão acabou há 137 anos. Façam o favor de progredir.
Fodam-se os tiras corruptos, com seus instrumentos de tortura e seus 41 tiros, escondidos atrás de um muro de silêncio. Vocês traem a nossa confiança.
Fodam-se os padres que abusam de crianças inocentes. Foda-se a igreja que os protege, levando-nos ao mal. E por falar nisso, Foda-se Jesus Cristo. Ele se safou bem, um dia na cruz, uma semana no inferno, e todas as aleluias dos anjos pela eternidade. Tente sete anos na droga da Otisville, Jesus.
Foda-se Osama Bin Ladem, Al Qaeda, e seus fundamentalistas retrógrados. Em nome de milhares de inocentes massacrados, eu rezo para que passe a eternidade com suas 72 prostitutas queimando em chamas de combustível de jato. Seus babacas de toalha na cabeça, podem beijar meu nobre traseiro irlandês.
Foda-se Jacob Elinsky. Choramingão frustrado. Foda-se Francis Xavier Slaughtery, meu melhor amigo, julgando-me enquanto deseja a minha namorada. Foda-se Naturelle Riviera. Confiei nela, e me apunhala pelas costas. Entregou-me. Safada.
Foda-se meu pai, com seu eterno remorso, paralisado naquele bar, bebericando club soda, vendendo uísque para bombeiros e torcendo para os Bronx Bombers.
Foda-se esta cidade e seus habitantes. Dos casebres de Astoria às coberturas de Park Avenue. Das casas populares do Bronx aos lofts do Soho. Dos guetos de Alphabet City as casas de tijolos de Park Slope e aos sobrados de Staten Island. Que um terremoto destrua tudo. Que o fogo se alastre e transforme tudo em cinzas e que as águas subam e arrase este buraco infestado de ratos.
Não. Não. Foda-se você, Montgomery Brogan. Você tinha tudo e jogou fora, seu idiota!”
Comentário:
Nesse sensível filme do diretor Spike Lee, Edward Norton interpreta Montgomery “Monty” Brogan, um traficante de drogas, que está para ser preso, e em seu último dia de liberdade, decide passar o dia inteiro aproveitando a companhia de seu pai, seus melhores amigos, e de sua namorada (que ele pensa ser quem o entregou para a policia).
Num acesso de fúria, Monty, desabafa em frente ao espelho, num monólogo que, destila todo o ódio armazenado em seu coração. Ele não polpa nninguém, asiáticos, italianos, russos, terroristas, seus amigos, todos são alvo das palavras cruéis de Monty.
E então, depois de finalmente deixar aflorar toda sua raiva, Monty se dá conta que, por mais doloroso que possa ser, o único culpado por sua condição, é ele mesmo, e o único que merece seu ódio, é vejam só, ele mesmo.
Um ator qualquer poderia arruinar completamente essa cena, mas, Edward Norton, consegue humanizar as duras palavras de intolerância, preconceito e ódio do monólogo de Monty. E Norton vai além, consegue fazer com que nos identifiquemos com seu momento de raiva: quem nunca culpou o mundo inteiro por algo de ruim em sua vida, para então, logo depois, perceber que é o culpado pela sua própira desgraça?
Se identificar com o que vê na tela, isso é cinema…